domingo, 22 de março de 2009

Ontem foi O DIA MUNDIAL DA POESIA

O Caniço lembra aqui e agora o dia.


FÚRIAS

Escorraçadas do pecado e do sagrado
Habitam agora a mais íntima humildade
Do quotidiano. São
Torneira que se estraga atraso de autocarro
Sopa que transborda na panela
Caneta que se perde aspirador que que não aspira
Táxi que não há recibo extraviado
Empurrão cotovelada espera
Burocrático desvario

Sem clamor sem olhar
Sem cabelos eriçados de serpentes
Com as meticulosas mãos do dia-a-dia
Elas nos desfiam

Elas são a peculiar maravilha do mundo moderno
Sem rosto e sem máscara
Sem nome e sem sopro
São as hidras de mil cabeças da eficácia que se avaria

Já não perseguem sacrílegos e parricidas
Preferem vítimas inocentes
Que de forma nenhuma as provocaram
Por elas o dia perde seus longos planos lisos
Seu sumo de fruta
Sua fragrância de flor
Seu marinho alvoroço
E o tempo é transformado
Em tarefa e pressa
A contratempo

de Sophia de Mello Breyner

"E assim o poema se faz contra a avaria do mundo, o seu contra-circuito, a sua interrupção, a sua armadilha, a sua vingança lançada sobre nós como uma rede apertada"

(em crónica impressão digital de José Manuel dos Santos, expresso de 21.03.2009)

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