Será que o tempo nos domestica? Vai-se a gente pendurando nos dias, uns atrás dos outros, e vem mais este que já se reforma, aquele que mudou de poiso, que “concorreu” ou pediu “destacamento”...O certo é que por cá ficamos, encostados à parede do destino, com um leve encolher de ombros, como se a indiferença… Pois.
E agora chegou a tua vez, ó Ângelo César! Podes finalmente ir regar à vontade e nas calmas o teu belo “Jardim das Delícias”, convocando para essa jardinagem o velho Dante Alighieri, como se esta "divina comédia” só por fora nos afectasse. Entre Beatriz e Virgílio oscilamos e oscilaremos os que por cá ficamos...
Desde a velha Faculdade de Letras, a “tasca”, como tantas vezes a maltratavas verbalmente, com a tua bonomia de gesto largo, passando pelo velho e defunto “Rainha” (como só nós entendemos esta desconcordância gramatical!) até estacionarmos juntos por cá, nesta casa, pelo lado das artes, com a garotada à perna, a condescender (só alguns/algumas!) com as provocações, as subtilezas que te iam/vão habitando as filosóficas entranhas. Tanto ou mais que as espirais de fumo com que incensas as ideias ao cheiro acre desse bocado de charuto.
A rapaziada segue-te como a um guru, um real “maître à penser”, entendendo-te como montanha sagrada à qual sentem necessidade de subir. Mais elas que eles, naturalmente. E Freud que explique, ainda que travestido, nos teus domínios, num senhor muito francês, muito Monsieur Lacan. Tanto no teu Gesto como na tua Palavra. Declarativa, encenada ou acenada Como se essa tua qualidade de predador omnívoro de signos além-pirenaicos te mantivesse escorreito, bem asseado e limpo. No “casa do ser” como tu gostas de dizer re-citando. Porque a matriz da cultura francesa sempre te ergue o sobrolho e adianta o passo. Apesar e sobretudo “à cause” de Nietzsche. E Jacques Derrida. Mas também Giorgio Agamben, Slavoj Žižek e tantos outros.
Haveria quem torcesse o nariz ao teu “mau feitio”. Às vezes. Difícil. Exigente. Digamos a palavra certa: “c-a-s-m-u-r-r-o”! E essa coisa das actas do grupo...Tenho por certo que, para lá da cortina do teu humor verrinoso, já todos nós, no grupo de Filosofia, te perdoamos as actas e queremos é que venhas por cá. Sempre que queiras e possas. Para nos desinquietares com uma folheca qualquer do Le Monde de “ontem”, um artigo fotocopiado e riscado, uma foto (que vinda de ti seria sempre e inevitavelmente “photo” e a preto e branco!), um livrinho acabado de sair nas “Éditions du Seuil” ou, ou.
Porque compreendemos muito bem cá por dentro e para lá dos imensos afazeres de cada um, nestas lides que tantos imaginam “simples” e “fácil” que é esta de acrescentar continuamente, sem peso nem medida, alguma Humanidade à animalidade que nos foi dada, como tu és e foste importante para todos nós. Principalmente por nos ajudares constante e persistentemente a abrir janelas. Para olharmos sempre muito mais longe. Com extrema elegância intelectual. Mas sobretudo com muita, toda essa antiga qualidade dos seres humanos: a Amizade.
José Melo (do grupo de Filosofia)
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