quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

APRENDER A ENSINAR, ENSINANDO A APRENDER

A procura da verdade, neste vasto inquérito teórico que é o conhecimento humano, resulta, geralmente, da tradicional pergunta que nos conduz ao conhecimento corrente – Porquê? Mas ensinar a pensar implica o seu par antitético – E porque não?!...

Aprender é a arte da pergunta...

Nem sempre premeditada, nem sempre nossa, mas sempre intencional, a pergunta é o fio condutor do pensamento no labirinto da aprendizagem. Por vezes, duma pergunta surge outra pergunta que interrompe a linha de pensamento, porque fora do tempo, mas a ligação estreita que o perguntar tem com o agir, o pensar, o imaginar se é método ou puro acaso, é ainda algo de circunspecto e misterioso… Para que o acto de pensar seja lúdico e se a pergunta quer ser, de facto, uma resposta, terá de ser inquieta e dolorosa; perturbar o que está quieto e fazer andar o mundo, e instalar o conflito criativo com o conhecimento, com as opções feitas, questionando-as porque Ensinar é arte da resposta… Mas, como o método não existe separado do objecto nem do sujeito, então a ponte entre o Aprender e o Ensinar é uma Empatia. Do pensar o método e do que fazer em geral, resulta o que somos e desta reciprocidade se desenvolve e corrige o caminho metodológico da aprendizagem a cada instante. A relação entre o objecto, a actividade cognitiva do sujeito e o contexto social em que este se insere é, em grande parte, influenciada pela importância da formação do sujeito – porque os conhecimentos se compõem na sua maior parte do já aprendido e não do novo; do peso da tradição, isto é, todo conhecimento novo está conformado dalgum modo pelo já conhecido e por cada saber, e forma consequentemente o seu próprio estilo de pensamento com o qual compreende e orienta os problemas de acordo com os seus objectivos. Os sujeitos da aprendizagem ( os estudantes) não são todos iguais. A verdade já conhecida é portanto relativa ao objectivo prefixado do saber…

Ao fazer-se o caminho metodológico da aprendizagem, o necessário processo sequencial de descrever, explicar, interpretar e compreender, a informação que se recolhe inicialmente é necessariamente fragmentária, muito circunstancial e deverá estar ligada a uma prática disciplinar central mas de forma a não confundir fragmentária com caótica e, simultaneamente, estudar e experimentar métodos que evitem esse hipotético caos. A solução, de facto, não está à espera nos livros; estes ajudam, bastante, a encontrá-la mas…

O método então, é um processo de aquisição constante da capacidade de construir um tecido contínuo de conhecimentos aplicáveis ao objecto de estudo e de aprendizagem, a partir dos tais fragmentos e da vontade livremente disciplinar e disciplinadora. Aprendemos a aprender olhando também, e de novo, com atenção, para o que já se conhece e que sabemos que funciona, que está certo e é rigoroso, isto é, aprendemos a reler e a ordenar o pensamento. Aprendemos, portanto, a pôr os problemas com clareza, simplificando, pois o simples é o complicado esclarecido, com esforço e atenção ao detalhe que faz o todo. Percebemos logo depois que aprender é quase tudo o que nos rodeia – conversas, palavras, números, música e lógica e mais palavras a explicar as palavras já ditas e esforçamo-nos a distinguir a mente do corpo para que ela, a mente, esteja mesmo consciente de que o resultado é mesmo um facto…

As escolhas, as opções, a eleição dos fragmentos da realidade com que trabalhamos são susceptíveis de inclui ideologia, de interagir com o sujeito e com os objectos no sentido de transformar essa realidade que por sua vez participa no tal pensamento colectivo, demarcando-se assim duma abordagem exclusivamente tecnocrática. O método indutivo, de per si, não pode proporcionar um critério de demarcação exclusivo podendo ser útil quando muito para certas etapas do processo da aprendizagem, como a decomposição em juízos de percepção que conduzam a enunciados elementares, classificações, quadros de referência, tipologias…Não existe em absoluto um método lógico de ter novas ideias, de aprender de novo nem sequer uma reconstrução inteiramente lógica deste processo. Toda a descoberta, toda aprendizagem tem um elemento irracional, sensorial, uma intuição criativa…

Por isso, temos de integrar imaginação com racionalidade, por forma a que a imaginação domine a racionalidade pois esta de certeza que não corre o risco de ser destruída porque é, por definição, crítica, separadora, libertadora, ajudando-nos a livrar do que está mal. Usamos a razão para suportar uma nova ideia e ajudá-la a crescer e a desenvolver-se com fruição e prazer. O que realmente é decisivo no método de ensinar é manter sempre a consciência do modo como se organiza o próprio processo de construção mental duma ideia, dum pensamento, duma imagem, duma aprendizagem e não permitir que isso nos perturbe…

E o primeiro passo é sempre o mais difícil porque não é racional e nele estará já quase tudo porque em quase todos os métodos por mais racionais que eles sejam ou desejem ser, esse primeiro passo só pode ser dado com a informação dada pela experiência e pela vivência do sujeito que aprende e que ensina sobre os objectos porque tudo está no todo que flui dele e a ele regressa…

Temos que ter uma intuição do que se pretende mesmo quando não se sabe muito bem o quê, para, dalguma maneira, se justificar o início deste processo. E aí precisamos muito da memória, de nos sentirmos nós mesmos pois representamos os resultados antigos e confirmados sem escravatura ou reverência. Mas nesta turbulência, de que desconfiaremos, os objectivos são instáveis e experimentais com atenção a todos os objectos e a todos os sujeitos envolvidos, mesmo aos conflituosos… O próprio programa de trabalho é um ponto de partida a rever, se necessário. Deve-se incrementar a dúvida, medir o erro com a angústia da responsabilidade, eliminar soluções pré-concebidas, os “clichés” e as arrogâncias e, se possível, reprogramar o próprio pensamento com a informação que chegou agora e nos pareça também adequada, transformando a aprendizagem na elaboração duma ideia geral considerada já adequada mas ainda sem comprovação. Tudo muito prenhe de momentos intuitivos para que o esforço seja lúdico. Os erros espreitam mais quando nos distraímos, porque já dormimos com uma ideia que já é nossa, que já sabemos o que é e estamos muito abertos a imitações, banalidades e preguiças. Depois, logo comprovaremos uma única alternativa entre várias com a redução sucessiva de incertezas secundárias até à solução que nos lança numa última etapa que parece ser entre todas a que se presta a uma explicação mais racional.

E seja qual for a nossa escolha, ou do meu amigo José Régio, entre dois ou vários caminhos, quase sempre nos arrependemos, quando escolhemos, de haver escolhido o que escolhemos: as vantagens dos preteridos torturam-nos, obcecam-nos, acabam por nem nos deixarem ver, no rumo seguido, as que haviam motivado a nossa preferência pois o bom caminho passa sempre pela insegurança do que está bem ou parece estar bem…

Saber processar assim, isto é, aprender a aprender pode, deve ser, também, saber resistir ao desgaste e ao fracasso… E depois a maneira de expor o resultado é outro método que também faz p+arte da aprendizagem. Trocamos o ponto de interrogação pelo ponto final, ainda que provisório… Expor é a parte mais normativa do método, da tradução do pensamento, numa codificação transmissível. Os textos são como os desenhos, como as pautas cuja colocação na folha branca obedece a normas, a regras e estas são também imanentes do seu objecto de aprendizagem.

Mas aprender a ensinar não é só este processo maravilhosos da descoberta, mas também tudo o que fazemos, e o que fazem os outros, e dentro disso pode usar-se outros métodos, e mais alguma coisa que achamos graça, e alguém chega e diz alguma coisa que passa a fazer parte do processo, e, finalmente, em qualquer ponto do processo é necessário coragem para mudar, ou liberdade para corrigir, e alguém possa dizer intervalo!...

E se necessário, entretanto ou depois do intervalo, se possa refazer todo o processo, como dizia o meu amigo A. Costa…; e essa pausa não vem do relógio nem do calendário mas sim das emoções, dos sentimentos, da razão de cada um ou de todos, ou simplesmente porque o processo está a ser infeliz… mas quando o intervalo se arrasta, algo está mal no processo e interessa corrigir logo, pois senão o intervalo da ignorância tomará conta de nós para sempre…

Escola Soares dos Reis

Outubro de 1985

Gil Altino Cardoso dos Santos

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