quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

A Nova ESASR

Nos programas antigos da disciplina de Filosofia do ensino secundário havia uma rubrica chamada “Do Mito ao Logos”. Nela se esclarecia a noção de “Mito”, na sua polissemia, nas suas articulações e aproximações com outras realidades linguísticas, lógicas, ontológicas e existenciais. Entendida como narração das origens, a cosmogonia mítica propunha-se (e propõe-se, no presente a-histórico) compreender, explicar e justificar uma certa ordem (sagrada, isto é, integral/completa) do real, mostrar como ela começou a ser, como se manterá. Fosse na natureza, na ordem humana, na vida comunitária, no ser representado ou vivido, essa dimensão simbólica contaminava e saturava a totalidade do ser. Isto constitui o ser humano como sujeito de coordenadas espácio-temporais, capaz de se situar nelas e de as assumir como matéria viva e comunicável. Qualquer coisinha de novo e nós, tumba!, sagrado em cima, para a coisa valer “a sério”! Por isso se afirma, muito justamente, que somos seres comemorativos, inauguradores, possuidores de memória individual e colectiva, portanto talhados por ela desde a noite dos tempos hominídeos, no despertar da consciência do falante, do sonhante.
Vem tudo isto a propósito do novo edifício nossa escola. Esta centenária Soares dos Reis (que já foi, noutras eras, “Faria Guimarães” e viveu pelas bandas da Rua do Bonfim) vai agora inaugurar um “fato novo”, vestir uma aparência sensível corporal integralmente transmutada a partir da matéria espectral da defunta “Oliveira Martins” que lhe forneceu o seu esqueleto arquitectónico. Porque, em boa verdade, a substância ideal e comunitária, que comporta a essência mais definitiva e perdurável, essa queremo-la inalterada ou apenas sujeita a dinâmicas de evolução que se orientem pelo sentido da Criação, do Progresso e da Cidadania.
Mas, pensando bem, a efeméride que agora nos atravessa e nos institui fatalmente uma “comunidade inauguradora” é da ordem do Acontecimento auroral. E faz-nos sentir presentes numa dimensão axial. Por um lado, unimo-nos a todos quantos ergueram a Tradição segura de um século de Soares dos Reis e com ela construíram Arte, Expressão, Saber, Sensibilidade, Gosto e Cidade; por outro, somos o laço que prende a vontade insatisfeita, o desejo perfeccionista de ir sempre em demanda do novo, do projecto a latejar, vivo e dinâmico, da edificação das Manhãs Claras que anunciam a porta do Futuro.
Pelo que apenas nos resta instalarmo-nos no Presente, nesta Hora que é a nossa e assim honrarmos, com o esforço pessoal e colectivo de alunos, funcionários e professores, a Memória e a Utopia. Façamos, portanto, esta Obra Inacabada com a consciência inaugural e com a pragmática de que tudo o que é humano se cumpre e decide no fio do horizonte que é onde começa e termina o Sentido. Porque apenas aí mora, com verdadeira e genuína legitimidade, fundada na disciplina férrea do trabalho e da experimentação, a Modernidade.




ESASR , Setembro de 2008 –José Melo.

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