quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

A PROPÓSITO DA VISITA A LÉON


A Propósito da Visita de Estudo a León

«Fui a León para visitar a sua catedral, uma das maravilhas do mundo. Os meus olhos regalaram-se naquele prodígio do humano, posto e composto em nome do divino. A fé não só move montanhas como levanta naves, pinta rosáceas, ergue torres, esculpe estátuas, desenha vitrais, constrói órgãos, borda talhas. Tudo apela numa harmoniosa orquestração para uma fortíssima espiritualidade intensamente vivida. Os artistas, pedagogos do povo analfabeto, ilustravam com uma abundância de expressivas imagens a doutrina bíblica e eclesiástica num catecismo vivo, de luz coada, onde o espírito fecundava (e fecunda) a alma dos crentes que eram a quase totalidade dos homens e mulheres daqueles tempos.

Trouxe a catedral nos olhos e no coração. Rendo-me à sua sumptuosidade, submeto-me à sua majestade hierática. Os seus sinos são hinos que, se não entram nos cérebros, penetram nos corações.»

A. Ferreira de Brito – "Por Entre as Brumas da Memória", Porto 2005, Ed. de Autor, pp. 228/9.

Nasceu esta iniciativa que tem vindo a ser repetida anualmente de um acaso – ou talvez não – de velhos hábitos de leitura dos semanários, ao fim de semana. Foi no "Expresso" que eu vi, já lá vão uns anitos, a notícia do aparecimento do MUSAC, o Museu de Arte Contemporânea de Castilla y León, uma infra-estrutura para o século XXI, a fervilhar de novidades propostas e de jovens artistas, espanhóis e do mundo inteiro, dando uma dimensão cosmopolita a uma cidadezinha simpática, histórica e "de província".

Logo que me foi possível, em viagem de regresso das férias catalãs, lá demandei o sítio. E podem crer que não me desiludi. Primeiro o edifício: extremamente colorido, funcional, amplo e de linhas arrojadas, tal como a "nossa" Casa da Música. Da autoria de dois "jovens" arquitectos espanhóis Emílio Tuñón e Luis Mansilla, superpremiados professores de arquitectura em Madrid e Princeton (USA) que viram o seu projecto de León ser objecto do prestigiado prémio Mies Van der Rohe da U.E., em 2007. Trata-se, enfim, de um fervilhar de ideias e de projectos criativos que levaram este estilo ao Museu de Belas Artes de Castellon, de Zamora ou de Cantábria. Depois o conteúdo das exposições temporárias: muito leves mas profundas, vanguardistas, criativas até dizer "basta!". E com nomes de todo o mundo. Pelo meio, alguns portugueses. Como a "minha" antiga aluna "soaresdosreisista" Filipa César (Azinheira, nos seus tempos proto-artísticos) que deixou no MUSAC a sua marca, prestigiada também pelo prémio internacional que lhe foi concedido há uns anos em Berlim. Depois ainda: porque aqui, em pleno museu, onde não se paga para entrar, percebe-se que a arte "mexe". Informalmente. No sentido literal da palavra. Os visitantes mais novos são convidados a integrar "workshops" e ateliês de trabalho, onde podem desfrutar de momentos de pesquisa e de apropriação de um "real artístico" que lhes poderá saber a pouco, mas que seguramente lhes instalará na cabeça o começo de uma aventura com piada...

E, claro, León tem muito mais que o MUSAC. Tem um velho burgo recuperado, à volta da sua catedral gótica "francesa" (a mais ...de toda a Espanha), chamada "Pulchra Leonina", um autêntico hino à cor e à luz que as palavras do académico e ilustre portuense, que abrem este texto, pontuam com rigor "catedrático". Mas esta aula viva não substitui, nem subestima outros possíveis objectos de conhecimento artístico, tais como a Colegiata de San Isidoro, também designada por "Capela Sistina" do Românico, com o tesouro do trono de D. Urraca e todos os ouros da História das nossas origens pátrias que tanto se fazem reluzir nas calçadas das velhas ruas e ruelas desse magnífico (e bem tratado) centro histórico, onde tudo nos fala do passado, mas também, a um aceno breve do outro lado do passeio, tantos e tantos Significantes arquitectónicos, da moda, da realidade hodierna nos falam do futuro, como se a Modernidade quisesse ter ali, nesse oásis granítico da ampla e quase desértica meseta, um efémero "coup de foudre" com a Tradição, escolhendo, para o fazer, o recanto de um qualquer café selecto e requintado. Não sem se inteirar dos mistérios que dão substância mítica e cósmica ao palácio que Antoni Gaudi veio plantar a esta urbe que é o esplendor do Caminho de Santiago. Trata-se da Casa Botines, autêntica área pétrea de uma oratória mais ampla que vem espargir a sua luminosidade na rosácea da Catedral.

E a nós, pobres visitantes mortais, resta-nos entrar na solene cantata como figurantes, atentos, emudecidos e agradecidos à divina bondade por ainda haver tanta beleza neste mundo para ir repartindo aos pedacinhos. Tenhamos nós a serena ousadia de recolher algumas migalhas.

José Melo. (Professor)

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