No verão a avó preparava um grande merendeiro para um cesto de vime e alá por aí fora em direcção ao bosque. A avó, o avô, os dois netos. Vasculhavam o terreno em busca de um sítio adequado. Havia por lá vários troncos de pinheiro recém-cortados. Era a mesa! Calcavam-se depois os tojos e estendia-se uma liteira. Todos se reclinavam a ver o sol deixar-se engolir pelo horizonte. Mais abaixo havia um regato onde abundavam os grilos e as rãs. A orquestra nocturna! Do cesto saíam os rissóis, os bolinhos de bacalhau, o arroz de favas e a fruta. O Avô pegava na garrafa e despejava dois copos. As crianças bebiam refresco de café com uma colher de aguardente e açúcar. Depois do jantar comia-se a sobremesa e o avô acendia um cigarro, sem filtro. Ficava-se esquecido de papo para o ar a ver a dança dos morcegos no palco da abóbada celeste. Em dias de lua cheia brotavam histórias de lobisomens e dos que andavam a correr o fado. A avó não deixava nunca de mencionar o São Gonçalo da sua meninice à beira Tâmega. Já debaixo da noite se regressava a casa. No inverno a excursão ao bosque era mais rápida. O tempo suficiente para trazer as castanhas que assariam na lareira ou os pinhões que muito demoravam a abrir. Mas, não havia pressas, as noites tinham muitas horas. Na primavera a avó cuidava das dálias e ainda estava frio para as merendas no bosque.
Tudo isso desapareceu, a avó, o avô, as dálias, o bosque. Coisas outrora reais e vivas são hoje fantasmas de um tempo que se escoou como água que sai de um cano rato. Ninguém percebeu como foi. O avô foi perdendo a razão aos poucos até não conhecer os que o rodeavam, a não ser a Milinha que lhe apertava os cordões. A avó começou por perceber que a vida não tinha sentido, que tudo é um tremendo acaso, traição, palavras vãs. Viu a filha morrer antes de si e não aceitou o veredicto. Pediu também ela para partir. Um dia foi feita a sua vontade. As dálias desapareceram por falta de cuidado. O bosque está retalhado por construções e ferido pelos incêndios. Os netos cresceram e tornaram-se homens, esqueceram os merendeiros. Não comem castanhas, não abrem pinhões com a maceta de pedreiro. Um tornou-se mundano, o outro um estranho em terra estranha. O São Gonçalo ainda é o mesmo mas, já não tem a senhora das dálias para contar as suas histórias.
Tudo isso desapareceu, a avó, o avô, as dálias, o bosque. Coisas outrora reais e vivas são hoje fantasmas de um tempo que se escoou como água que sai de um cano rato. Ninguém percebeu como foi. O avô foi perdendo a razão aos poucos até não conhecer os que o rodeavam, a não ser a Milinha que lhe apertava os cordões. A avó começou por perceber que a vida não tinha sentido, que tudo é um tremendo acaso, traição, palavras vãs. Viu a filha morrer antes de si e não aceitou o veredicto. Pediu também ela para partir. Um dia foi feita a sua vontade. As dálias desapareceram por falta de cuidado. O bosque está retalhado por construções e ferido pelos incêndios. Os netos cresceram e tornaram-se homens, esqueceram os merendeiros. Não comem castanhas, não abrem pinhões com a maceta de pedreiro. Um tornou-se mundano, o outro um estranho em terra estranha. O São Gonçalo ainda é o mesmo mas, já não tem a senhora das dálias para contar as suas histórias.
Professor Alberto Teixeira
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